domingo, 10 de dezembro de 2017

O Transatlântico Lavras

            Minha terra natal não tem mar, nem praia, mas tem muitos Ipês e Escolas. Assim é conhecida Lavras, no sul de Minas, região montanhosa. Deve ser por isso, a falta do mar, que nos apossamos das praias capixabas, a 700 km de distância, especialmente Guarapari e Vila Velha. Época de veraneio nesses balneários..., só dá mineiro. Famílias inteiras com seus SUVs, Jeeps e outros carros se deslocam para lá e passam temporadas de férias em apartamentos próprios ou alugados. Mesmo os que se mudaram de Minas para o distante planalto central ainda revivem, por lá, aquele clima dos jovens da década de 1970. Com o passar do tempo vai-se a paixão pela estrada e a distancia é vencida por avião. Mas, a paixão pelo lugar continua a mesma e até parece que o fluxo dos interioranos das serras das alterosas aumentou naquelas praias. Ninguém se atreve a dizer que ali não é território dos mineiros. Muitos se aposentam e mudam-se em definitivo para lá. É o caso do amigo, colega de magistério na Universidade Federal de Lavas-UFLA, Hélio Corrêa. Estabeleceu-se por lá e vive a contemplar a bela terceira ponte e, literalmente, segundo informa sua filha, fica a ver e contar os navios que atracam e zarpam do porto de Vitória. Confesso que tenho inveja desse inusitado hobby, pois navio é um bichão enorme, fascinante e incomum para nós os mineiros do interior. Entrar em um navio é para os mineiros como “provar” a água salgada do mar para certificar-se que realmente é verdade, segundo contam os cariocas piadistas. Ver aquele grandão singrando suavemente as águas, suas antenas de radares girando no topo da ponte de comando, nos leva a imaginar quanta engenhosidade há ali dentro e quanta carga transporta, ou quantas vidas leva a bordo em viagens de passeio a negócios. Algumas vezes, quando em férias por lá, atravanquei o transito na avenida beira mar da cidade de Vitória. Estacionava o carro para ver a aproximação de um grande navio cargueiro. Outra vez, do alto do morro do Convento da Penha, contemplei a passagem de um grande navio cargueiro conduzido por um rebocador sob a bela Terceira Ponte. É um espetáculo digno para qualquer mineiro, de prender a respiração, pois a impressão que se tem, à distância, é que se pode bater facilmente nos pilares de sustentação do enorme vão da ponte de concreto.

            Há três anos, o ilustre colega, tomando seu chope e degustando uma peixada no Club Álvares Cabral, foi surpreendido pela passagem de um grande navio cargueiro que acabara de zarpar do porto de Vitória. Fotografou-o várias vezes, mais pela surpresa de seu nome, estampado na proa, em letras garrafais: Lavras. Agora, anos mais tarde, postou as fotos nas redes sociais e então bateu-me uma curiosidade, por que aquele nome? Haveria algum armador natural de Lavras? Um engenheiro naval? Cheguei a pensar no colega de curso científico do Colégio Aparecida, Valdir Azevedo Junior,  filho do saudoso professor de desenho e de matemática e que se formara em Engenharia Naval pela UFRJ, apenas um ano depois de minha formatura na velha Esal/Ufla. Seria ainda alguma homenagem à cidade? Perguntei nas redes sociais, mas ninguém soube responder, nem mesmo o autor das fotos. Alguém confirmou que o avistara em outra ocasião na Baía de Guanabara. Nada mais.... Surpresa maior foi ter surgido, no dia seguinte, a madrinha do navio Lavras, ninguém menos que a então primeira dama da cidade, Maria Lídia Fonseca, que além de prestar informações sobre o referido navio, postou mais fotos, do ano de 1989, quando a embarcação foi lançada ao mar pelos Estaleiros Verolme.

E assim, pudemos recompor a história do navio Lavras. Tudo começou com o interesse do então prefeito de Lavras, João Batista Soares, em instalar um terminal da Petrobrás na cidade, ou melhor, no Terminal Ferroviário de Prudente, onde já havia infraestrutura mínima necessária ao empreendimento. Na ocasião a Petrobras tinha como presidente o ex-ministro da Marinha, Maximiano da Fonseca, amigo da cidade. Embora o ponto fosse estratégico para a instalação de um terminal de distribuição da Petrobras, não foi possível concretizar-se o projeto do então prefeito, João Batista. Mas, o nome da cidade e os laços de amizade e até familiares que ligavam o ministro Maximiano à Lavras não ficaram no esquecimento, pois sua filha era casada com um ilustre lavrense, Paulo Otávio, grande empresário do setor imobiliário aqui na capital federal. Decidiu o ministro prestar uma homenagem à cidade e sua gente, nomeando um dos grandes navios petroleiros com o nome de Lavras.

O navio tanque, produzido pelos Estaleiros Verolme, é um gigante. Foi a segunda unidade de uma série de três encomendados pelo armador Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobrás/Frota Nacional de Petroleiros – Fronape para serem utilizados no transporte de produtos claros em rotas de cabotagem. Seu custo de construção foi aproximadamente US$ 40 milhões. Foi lançado ao mar no dia 09 de janeiro de 1989, em Angra dos Reis. Seu prefixo é PPSG e tem173, 00 metros de comprimento total, 27,50 metros de boca, 9,70 metros de calado e 14,30 metros de pontal. Sua capacidade de deslocamento é de 34.000 toneladas e transporta 29.400 toneladas de carga, em treze tanques. O motor de propulsão desse gigante é um Sulzer de 06 cilindros tipo 6RTA48´, de 7.751 bhp de potência, podendo se deslocar à velocidade de 14 nós.

Rever o nome de sua cidade natal num baita bichão, singrando as águas do Atlântico, deve ser mesmo uma emoção muito grande, como a experimentada pelo amigo que ainda se lembrou de registrar com fotos aquele momento, na distante cidade de Vitória. Fez-me relembrar quando avistei a bandeira brasileira tremulando no mastro de um navio cargueiro no porto de Nova York. Emoção sem igual para quem, distante da pátria por longo tempo, contemplava ali, subitamente, o auriverde símbolo augusto da paz, cuja nobre presença à lembrança, a grandeza da Pátria nos traz! Assim cantávamos durante o hasteamento da bandeira, no pátio do Grupo Escolar Firmino Costa, desde os sete anos de idade. Saudade incontida no peito, o sangue parece que flui em forma de lágrimas e só então me dei conta de quão belo é o nosso Hino à Bandeira Nacional. Maior ainda deve ter sido a emoção da jovem lavrense que, investida das funções de primeira dama da cidade, foi convidada a ser a madrinha de batismo daquele grande navio que ostenta o nome de Lavras. A cerimônia, iniciada com a quebra de uma garrafa de champanhe na proa do navio, é quase que obrigatória antes de sair para a sua primeira viagem. Trata-se de uma milenar tradição para proteger a embarcação dos perigos do mar, imprevisível e implacável. Conta a lenda que no batismo do Costa Concórdia, que naufragou em 13/01/2012, na costa da Toscana, na Itália, a garrafa de champanhe bateu no casco e voltou intacta. Já no caso do Titanic, a champanhe não chegou a tempo para o batismo. No navio Lavras, não só estourou-se a garrafa na proa da embarcação como ainda houve um tour por suas instalações, tudo regado a delicioso coquetel, quando então a madrinha e demais autoridades fizeram uso da palavra em alusão ao marcante empreendimento.

 Mas, afinal o que representa a escolha do nome de Lavras para aquele gigante petroleiro? Apenas um nome? Um lugar, uma cidade? Não apenas isso. Representa, acima de tudo, a homenagem à sua gente, à memória daqueles que souberam e sabem honrar a sua terra. Parabéns à madrinha, lavrense, Maria Lídia Fonseca, ao então prefeito João Batista Soares, ao empresário Paulo Otávio Pereira que mesmo distante no tempo e espaço, mantém viva a chama do amor à terra natal. Juntos, mas não necessariamente ao mesmo tempo, souberam e sabem representar a terra natal, em grau tão profundo e envolvente capaz de sensibilizar a outras pessoas que, gratificadas com a atenção, retribuem homenageando a cidade inteira – Lavras.

Tenho orgulho das raízes dessa terra, onde se respira a cultura, a educação e a arte de bem receber,  a Terra dos Ipês e das Escolas, conforme a batizaram os poetas. E ainda me aproveitei de seu nome para encabeçar as crônicas, casos e causos da cidade. Ver a imagem de um grande navio que ostenta o nome de sua cidade natal, desperta-nos o mesmo sentimento de ver em terras distantes o tremular do pavilhão nacional.


Brasília, 10 de dezembro de 2017

Paulo das Lavras


 
O imponente petroleiro “Lavras” singrando as águas do porto de Vitória rumo ao Atlântico.
Foto de Helio Correa

Convento da Penha, em Vila Velha, com vista voltada para a cidade de Vitória, foi fundado em 1558.         É o símbolo turístico da cidade. Fica no alto de um morro de 154m, cercado pela Mata Atlântica
Foto: Internet



Vista do alto do Convento da Penha. Cidade de Vitória e a bonita 3ª Ponte. 
   Apreciar a  passagem de um grande navio sob a ponte, escoltado e conduzido por   
    rebocadores, é um  espetáculo à parte que deixou o menino extasiado.
Foto: Internet



O baita navio petroleiro “Lavras” deixando o porto de Vitória.
Foto de Helio Correa




A primeira dama, Maria Lídia Fonseca (de branco e à frente) subindo para o convés do navio                      petroleiro, já batizado com o nome de Lavras. Homenagem à terra de pessoas que bem a representam.
Foto: arquivos de Maria Lídia Fonseca



Solenidade de batismo do navio “Lavras”, em 09/01/ 1989. Estaleiros Verolme , em                                    Angra dos Reis. Maria Lidia Fonseca, primeira dama de Lavras, ao lado do                                                ministro Maximiano da Fonseca, então presidente da Petrobras.
Foto: arquivos de Maria Lídia Fonseca



Visita às instalações do navio. Solenidade de batismo da embarcação, janeiro de 1989.
A primeira dama, madrinha do navio, acompanhada de amigas e pelo comandante do navio
Foto: arquivos de Maria Lídia Fonseca



Maria Lídia,  a madrinha do navio, presenteada com  buquê de flores, no convés
 do navio que leva o nome de sua cidade natal
Foto: arquivos de Maria Lídia Fonseca


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