sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Criança tem cada uma: Um olho para o vovô e 120 anos para vovó

Era o mês de setembro, de 2016 e os pais de Pedro Henrique, que contava apenas sete anos de idade, viajaram de férias para o Rio de Janeiro. Foram dez dias que ele, o menino, ficou com os avós e a tia Lu. Rotina estabelecida com escola pela manhã, bem cedo, almoço em casa ou às vezes em restaurantes, academia duas vezes na semana com natação, futebol e judô, estudos diários tutorados pela tia Lu, comida farta com doces e guloseimas (dizem que avós são para estragar os netos e os pais que os corrijam depois...rsrs), brincadeiras na quadra de esportes, não dispensando a “guerra” de travesseiros à noite, longe das broncas da vovó e finalmente  dormir no quarto de hóspedes, para onde o vovô também se deslocou para lhe fazer companhia, cada qual em sua cama. Nos fins de semana contava com a companhia da priminha, Sarah, na cidade ou na chácara, onde as atrações eram mais interessantes, pois incluíam a piscina, extensos gramados para futebol, helimodelismo, lagos para pescaria, fruteiras (amoras e jabuticabas, frutas da estação), cães, galinhas e outros bichos além do cavalo para um passeio em pelo. E ainda podiam pilotar, de fato, o microtrator e passear no jipe sem capota, capaz de passar dentro da lagoa mais rasa, derrapando e jogando lama para todos os lados. É paraíso para qualquer criança submetida à dura rotina semanal de compromissos cronometrados.

 Tudo certinho, novidades a cada dia ajudaram o menino a “esquecer” os pais e concentrar-se na nova rotina, cercado de atenção e carinho por todos da casa. Para o avô, era um prazer renovado a cada manhã leva-lo até a escola. Era como reviver seu tempo de menino, com a diferença que enfrentava o percurso a pé, acompanhado apenas por uma das irmãzinhas que também estudava na mesma escola. Antes de sair para a escola, a vó nos reunia e fazia a oração, agradecendo a Deus pela noite tranquila que passou e invocava as bênçãos para o dia que se iniciava. Aí incluía-se a “viagem” de carro, de seis quarteirões até a escola, pedindo a Deus a proteção para o motorista e o menino, livrando-os do acidente. No caminho o menino observa atento o percurso e as dificuldades do trânsito e as vezes até aconselhando: “deixa ele passar, vovô”, quando um motorista mais apressado forçava a passagem de maneira perigosa.

Dois dias antes do retorno dos pais notamos alguma diferença no comportamento de Pedro Henrique, a começar por querer saber detalhes do dia e hora de chegada, pois havia sido informado sobre a volta deles que já se aproximava. Era uma ansiedade normal para uma criança que foi privada da companhia de seus pais por longos dez dias. Os pais foram recebidos pelo menino, à porta já aberta, com indescritível alegria. Abraços e carinhos, conversas sem fim, a alegria do presentinho recebido, chegou a hora da despedida dos avós e da tia Lu. Antes, porém, a oração conjunta de agradecimento a Deus pelo retorno dos pais. Pedro Henrique se ofereceu para fazer a oração, pois estva acostumado a fazê-la, quase sempre à mesa, antes das refeições. E a faz com muita compenetração e coerência, emocionando a todos. Mas, desta vez ele ultrapassou todos os limites de sua compenetração, causando-nos surpresa pelos inusitados pedidos a Deus. Após vários agradecimentos pela vida de todos, pelo alimento à mesa e que “Ele não deixasse faltar na mesa de ninguém”, pediu a Deus que “conceda 120 anos de vida à vovó, igual a Moisés”. Até aí a oração do menino continuava em ato contrito, mas, após pedir a Deus “ que também “dê outro olho” para o vovô enxergar melhor e não bater o carro na rua”...., ninguém conseguiu se segurar, pois, de fato sou cego de um olho, por acidente aos cinco anos de idade e tenho dificuldade no trânsito intenso, por falta de visão periférica do lado direito.

Pela primeira vez em nossa casa, por mais de 45 anos, o momento sublime e de respeito silencioso da oração, proferida por um membro da família, foi quebrado. Não houve quem segurasse o riso pelos inusitados pedidos do menino de sete anos. Primeiro o amor pela vovó, desejando-lhe uma longevidade como a de Moisés, relatada na bíblia. Segundo, e mais surpreendente ainda, foi o tirocínio do garoto conhecedor de minha deficiência visual e certamente deve ter presenciado, durante os dias em que o levei para escola, alguma dificuldade que teria enfrentado no pesado trânsito de Brasília, especialmente no rush do horário de almoço e, instintivamente, “pediu” a Deus que me concedesse “mais um olho”.... O mais engraçado naquela inocência e amor infantil foi a justificativa de seu pedido a Deus, completando para meu completo constrangimento: “... para o vovô enxergar melhor e não bater o carro na rua.....”. Além das gargalhadas, a minha em primeiro lugar e a consequente interrupção da oração, paguei mico com seus pais que devem ter imaginado que cometi muitas barbeiragens no transito, com o menino a bordo.

Bem, foram dez dias muito felizes, na cidade e no campo. Tenho certeza que o netinho gostou e nem sentiu tanto a falta dos pais. Mas, por via das dúvidas, vou esperar a próxima viagem dos pais para ver se terão coragem de confiar ao avô a guarda e o transporte escolar do menino...rsrs.
Criança tem cada uma....

Brasília, 30 de setembro de 2016

Paulo das Lavras 


A chácara é um paraíso para as crianças de hoje, submetidas
à dura rotina de 10 a 12 horas de agenda diária na cidade.
Ciclone, acostumado a comer cenoura na mão do menino, vem
 correndo ao primeiro chamado e oferece espontaneamente a cabeça para
 um carinho. Alegria e sentimento de compartilhamento entre ambos



Um olho novo para o vovô   não bater o carro na rua

120 anos de vida para a vovó...


Conhecendo o helicóptero de resgate dos Bombeiros, aterrissado
na quadra, ao lado de casa, aguardando um acidentado.

No McDonald´s, crianças adoram


Esporte na quadra em frente de casa, com chute certeiro ao gol, 
o único da temporada
  


Pilotando um Grippen sueco, novinho, em exposição da FAB


Pilotar o microtrator e ainda apanhar ameixa amarela (nêspera),
bem acima da cabeça, é tudo que uma criança quer





Bichinhos mansinhos e que gostam de carinho não faltam na chácara