terça-feira, 26 de julho de 2016

Dez mil Ipês florescendo em Lavras...

Nos meses de julho e agosto florescem os ipês. Primeiro vem o ipê roxo, como aquele belíssimo em frente à Escola Firmino Costa. Depois chegam os amarelos, o branco e o rosa, quase sempre nessa ordem. São maravilhas que deslumbram nossa vista. Lavras, conhecida no passado por Terra dos Ipês e das Escolas, vem perdendo essa posição de destaque nas Minas Gerais. Um giro pela internet e vemos que muitas outras cidades mineiras ostentam seus ipês como pontos de atração para o turismo. Belo Horizonte, Varginha, São João Del Rei, dentre outras se destacam nas redes sociais. Isso sem contar Guaxupé, que já se auto intitula “terra do mel, do leite, do café e dos ipês”.

Mas, e nós, o que temos feito em relação aos ipês? Excetuando os cuidados na preservação das árvores já existentes, pouco temos feito para honrar o lema criado por Jorge Duarte. É verdade que no campo educacional, temos feito bonito. Aí estão a Ufla, o UniLavras, a Fadiva, Fagammon e outras escolas superiores além de inúmeras e tradicionais escolas de ensino fundamental e médio. Fazemos história desde 1720, quando chegaram os primeiros exploradores dos campos das lavras do funil. A igreja do Rosário é de 1724, a primeira escola, que funcionou nessa igreja, iniciou as aulas em 1783, há exatos 233 anos. Temos história com as Escolas e com muita honra pelos êxitos e isso é inegável. Temos mais de 30.000 alunos matriculados na cidade. Mas, porém, todavia, entretanto, contudo, não obstante, até porque e ainda assim... (ufa!), estamos perdendo terreno no tocante aos ipês.  Por isso, lanço aqui um desafio aos lavrenses, suas lideranças, para iniciarmos um projeto de plantio de 10.000 (dez mil) pés de ipê. Sim, dez mil, ao longo da rodovia 265, desde o trevo da Fernão Dias até a sede do Parque de Exposições, pouco depois do antigo aeroporto, numa extensão aproximada de 16 km. Também a Rodovia Zito de Abreu, que liga Lavras à Ribeirão Vermelho, com seus 9 km, merece o mesmo tratamento paisagístico. Seriam, portanto, 25 km de vias, além das principais ruas e avenidas da cidade. Amarelo de um lado, florido em agosto e roxo do outro, com as flores pujantes no mês de julho, tal qual se apresenta agora em toda a região..

Que a nossa cidade tem um acervo cultural invejável e belezas naturais mais que elogiadas, incluindo as mais belas mulheres de Minas Gerais, isso é inegável. Nesse último quesito, por exemplo, lembro das palavras de JK e também de seu secretário particular, Carlos Murilo Felício dos Santos, que recentemente esteve em Lavras para lançamento de seu mais novo livro sobre o ex-presidente da República. Para ambos, as moças mais bonitas de Minas Gerais são de Lavras. Da mesma forma se expressavam inúmeros outros visitantes e estrangeiros, que acompanhei à cidade em várias visitas à Ufla. Mas, por que não cuidarmos também da beleza paisagística que dá suporte ao lema de nossa terra? Plantemos ipês, muitos ipês, um para cada aluno matriculado e teremos então 30, 40 ou 50 mil árvores floridas em amarelo, roxo, branco e rosa. Porque não? Aqui em Brasília temos 140.000 pés de ipês distribuídos em toda a cidade. São 40.000 só de amarelos que estão começando a florescer, na sequência dos roxos que estão terminando a belíssima floração e que, agora, colorem o chão com suas pétalas formando um tapete carmesim. Maravilha, puro êxtase!

           Quero chegar à Lavras e ter o prazer de ler uma baita placa, um belíssimo outdoor fincado no trevo da Fernão Dias: “BEM VINDO À TERRA DOS IPÊS E DAS ESCOLAS” e entrar numa rodovia multicolorida, de mais de 12 km.  Minhas férias de julho/agosto serão passadas aí, sob o manto dos ipês floridos.... Estou sonhando?.... Acho que não! Ao contrário, acordei para a realidade de que estamos perdendo o título criado por Jorge Duarte (veja na internet a profusão de cidades que usam o ipê como atrativo turístico). O lema “Terra dos Ipês e das Escolas” é de autoria do jornalista e poeta Jorge Duarte, exaltando em poema as semelhanças entre as escolas e os ipês. Estes passam o ano inteiro despercebidos se preparando para as magníficas floradas de coloridos deslumbrantes nos meses de julho e agosto. Verdadeira festa multicolorida admirada, fotografada e cantada por todos da cidade, bastando ver nas redes sociais.  Também as escolas, segundo Jorge Duarte, à semelhança dos ipês, passam o ano inteiro preparando seus alunos, silenciosa e anonimamente, sem despertar a atenção para sua grande obra. No final do ano, então, começam as festas de formatura e a cidade se engalana para celebrar as vitórias. Só então aparece o resultado de um labor fecundo. “Os ipês florescem em agosto. As escolas florescem em novembro”, escreveu Jorge Duarte em seu poema de louvor aos mestres e à cidade. Belíssima analogia Escolas/Ipês. Façamos jus ao título de Terra dos Ipês e das Escolas, na sua totalidade.

Quem se habilita a apoiar a ideia de “reflorestar” a cidade com ipês? Vamos nessa? Veja, nas fotos a seguir, algumas rodovias enfeitadas com ipês amarelos e roxos. E diga para si próprio e externe sua opinião: É bonito demais! Vale a pena apoiar esse projeto. Eu acho. E você?

Brasília, 26 de julho de 2016

Paulo das Lavras

 
Ipê na entrada da cidade de Lavras.  
Foto dos arquivos de Renato Libeck


 
Estrada rural de Lavras. Alguém saberia localizar essa estrada?
Foto de Raimundo Danés – Agripoint, 1996, enaltecendo a Terra dos Ipês e das Escolas

 
Ipê em frente à janela do quarto onde nasci. Sítio Retiro dos Ipês - Lavras-MG


 
Cidade de Guaxupé-MG, autointitulada terra do mel, do leite, do café e dos ipês....
Lavras precisa cuidar para conservar seu lema criado pelo poeta Jorge Duarte



  
Rodovia, cidade de Ubiratã-PR  (foto: internet)


 
Rodovia não identificada     (foto: internet)


 
Avenida em Pato Branco- PR                (foto: internet) 



 
Descalvado- SP   (foto: internet


 
Belíssimo Caminho dos Ipês- Reserva Ambiental da EMBRAPA Suínos e Aves- SC
(foto: internet)


 
Estrada rural  com ipês roxos . 
  (foto:internet


 
Um ipê na cidade onde moro. Colírio para os olhos. Aqui são 140.000 ipês. Brasília-DF



 
Um ipê que plantei em minha chácara – Brasília




O Ipê de Rubem Alves, o poeta que tinha raízes em Lavras. Ele sabia porque amava os ipês. Dizia
 que as flores são a face visível de Deus, pois alegram a alma.














terça-feira, 12 de julho de 2016

Um Seminário na década de 1950 Parte I - Uma viagem ao passado




Cap. I de: Um Seminário na década de 1950 
 (Veja Nota Explicativa ao final, com  a estrutura completa do livro e links dos capítulos já publicados neste blog)



O moderno Boeing 737-800 de prefixo PR-GTQ, procedente de Brasília com mais de 100 passageiros a bordo, pousou suavemente na pista do Aeroporto de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, naquela manhã ensolarada de seis de setembro de 2013. Enquanto taxiava pela pista o menino das Lavras contemplou as alterosas montanhas que tanto o marcaram na infância, como também no internato, na cidade de Itaúna rodeada de montanhas de ferro e siderúrgicas. Mais tarde, morando na capital, as montanhas também o cercavam, notadamente a Serra do Curral, em Belo Horizonte, local de seu primeiro emprego, de recém-formado. Mineiro das montanhas, as linhas sinuosas do horizonte lhe eram muito familiares e queridas, pois sabia medi-las com os olhos, mais que as planuras do planalto central a despeito de ter passado neste, a maior parte de sua vida. Ali, diante daquele cenário que lhe era tão familiar, lembrou-se das palavras do filósofo e poeta Rubem Alves descrevendo a alma movida à saudade. Para o poeta a alma não tem o menor interesse no futuro. A saudade é uma coisa que fica andando pelo tempo passado à procura dos pedaços de nós mesmos que se perderam. Perderam-se? Mas..., esses pedaços estavam bem ali mesmo, havia cinquenta e cinco anos... Era o que buscava, naquele momento, em meio aquelas montanhas de ferro e manganês. Despertado desses devaneios, pela voz da comissária de bordo que convidava os passageiros para o desembarque, deixou a aeronave, caminhou até o saguão, embarcando rapidamente no automóvel que o aguardava. Percorreu pouco mais de 100 km em direção ao oeste do estado da velha conhecida Minas “Geraes”, seu berço e inspiração de toda a vida. Tinha um encontro marcado com o passado de 55 anos..., rever o Seminário onde estudara, em Itaúna.

Rubem Alves tinha razão, a alma é mesmo movida à saudade, como também outro escritor e poeta francês, Marcel Proust, que escreveu sua mais famosa obra, “Em busca do tempo do perdido”. Nesta, inebriado, revive toda a infância depois de mergulhar o bolinho “madeleine” numa xícara de chá, tal qual fazia nas manhãs de domingo na casa da tia do escritor, quando ainda era menino. Da mesma forma que a lembrança dos bolinhos de chuva levou Proust a relembrar sua infância, as montanhas cobertas de minérios de ferro e manganês, serviram de gatilho que despertou o pensamento do menino para as memórias escondidas nos escaninhos do inconsciente. Talvez por isso, pelo especial significado daquela viagem o voo foi bem diferente daquelas centenas de outros que fizera entre as duas capitais. Afinal passou mais de quarenta anos em missões de trabalho naquela rota. O aeroporto, velho conhecido, até mesmo por causa de um sério desastre sofrido a bordo de outro Boeing, lhe parecera mais interessante, a estrada mais bonita, tudo enfim respirava alegria. Ressurgiu o espírito do menino ansioso a caminho do seminário.

Enquanto o motorista dirigia por entre montanhas o passageiro revia, com doce emoção, o filme em seu imaginário de todo aquele longínquo passado. Rever o passado e suas imagens é, como explicam os psicólogos, lembrar-se exatamente do local e eventos onde estivera muito tempo antes. É uma característica de nossa mente que “grava” com maior intensidade aquilo que foi marcante em nossa vida. É a chamada memória cintilante. Agora, potencializada com a emoção de rever, presencialmente, os espaços físicos daquela época, muitos ainda preservados no original. Assim, reavivado e antenado nos detalhes da paisagem, desembarcou na praça central da cidade de Itaúna. Adentrou, primeiramente, a Igreja Matriz de Sant´Ana, cujo nome é o mesmo da matriz de sua cidade natal. A enorme matriz estava ali, do mesmo jeito, onde participara de tantas missas dominicais e festivas religiosas dos dias santos, cantando no coral dos seminaristas. As cores vivas de seu interior, com pinturas e imagens sacras, pareceram-lhe mais lindas que aquelas esmaecidas pelo tempo e guardadas na mente. Rever ali o altar onde se celebravam as missas e logo à entrada o elevado mezanino, onde os meninos do coral se posicionavam para cantar, sob a regência do Padre Adriano ou do Padre Luiz, com os acordes do órgão e tendo ampla e privilegiada visão de toda a nave da igreja, foi uma sensação indizível, do fundo da alma, de arrepiar. Foi possível “ver e ouvir” aquele coral de seminaristas cantando o Kyrie-eleisson, ou o Pater Noster qui est in coelis... e tantos outros belíssimos hinos. Parecia mesmo ouvir a própria voz, peito cheio, dando vivas a Deus nos solenes Kyries de exaltação da alma a Deus e aos santos como no Salve Mater MisaericordiaeE se ao entrar e contemplar aquele belo cenário da matriz já lhe causara arrepios na alma, lembrar-se e “ouvir” o coral cantando o belíssimo hinário sacro, que ainda sabia de cor, em latim, fez com que o menino derramasse lágrimas de pura nostalgia naquele ambiente sagrado que, por mais de trinta anos não o frequentava, ainda que em outros locais. O dia prometia..., pois logo no primeiro encontro com o passado as emoções se transbordavam.

  A praça e a igreja nada mudaram. Ali nas escadarias pude "sentir", como no passado, o abraço e o perfume da mulher mãe com os afagos carinhosos que algumas senhoras nos distribuíam, bem ali, após as missas, como se nossas mães fossem. Esses eram os únicos carinhos que o menino recebia, ali na distante terra. E quase sempre eram acompanhados de palavras de elogios, enaltecendo nosso desempenho no coral. Lembrei-me, particularmente, de um forte abraço que recebi, com votos de felicidades na missão de seminarista e, olhando para o rosto daquela bondosa senhora, vi as lágrimas escorrendo em sua face. Puro amor de mãe que ali projetava, talvez, a imagem de seu próprio filho, ausente, ou que nunca pensara em ser seminarista. Mas, agora, o interesse maior era chegar logo ao Seminário, distante uns 200 metros apenas, numa rua que se iniciava na praça da matriz. Não precisou consultar ninguém, nem mesmo o Google-maps ou GPS para chegar até lá. O mapa ainda estava vivo na memória, pois fizera o mesmo trajeto inúmeras vezes com seus colegas seminaristas. Todos os domingos havia a santa missa com os cânticos de nosso coral regido pelos padres holandeses, irmãos de sangue, Luiz e Adriano Turkenbourg. Em todos os ofícios sacros lá estávamos naquela imponente catedral, especialmente na Semana Santa. Quanta emoção reviver ali, in locco, a alegria do menino seminarista nos rituais de sua igreja.

Ansioso e já impregnado pelo espírito do menino seminarista, caminhou pela Rua Melo Viana, que se inicia na praça da matriz e conduz ao Seminário situado a um quarteirão apenas. Ao final deste, já na esquina da Rua José Gonçalves com seu declive moderado, avistou o imponente prédio do Colégio Sant´Ana, que compõe a fachada do Seminário propriamente dito. Novamente foi tomado por indescritível emoção. Parou, contemplou tudo e o filme daquele cenário de tanto tempo atrás não parava de rodar em sua mente. Faltou-lhe o fôlego e ofegante de tanta emoção, ficou ali estatelado, arrepiado com os sentidos à flor da pele diante daquele reencontro. Ali estava, extasiado, parado no exato lugar que o menino de 12 anos chorara copiosamente no primeiro dia, na chegada ao novo endereço que ele próprio escolhera. Bem ali, em meio à rua, defronte ao portão do Seminário, agarrado à mão do diretor, Pe. Adriano, quando o pai e a irmã se despediram e desceram a rua acenando-lhe um último adeus dolorido na alma. Dali eles voltariam em direção ao hotel e à estação do trem que os levariam de volta à casa. Foi a sensação mais dolorida e marcante que o coração do menino experimentara em toda a sua vida. Desesperado e aos prantos custou conter o ímpeto de largar a mão amiga e correr em disparada atrás do pai e da irmã, que acabavam de dobrar a esquina, como a dizer-lhes... não me deixem aqui, sozinho com desconhecidos e tão distante... Mas, como reclamar ou desistir de ficar? Demais para o garoto que nunca saíra de casa. Só lhe restara adentrar o grande portão, curtir a dor da separação e depois adaptar-se à nova vida de seminarista que tanto almejara. Deus haveria de consolar aquele coraçãozinho angustiado pela despedida e ainda por cima o impacto do ambiente totalmente desconhecido e tão distante como uma eternidade, reforçando a sensação de isolamento..., Era mesmo demais para o menino. Desde logo reconhecera o quanto é importante o amor dos pais e a união da família onde todos se sentem seguros e fortalecidos. Cortar bruscamente os laços familiares de um menino produz um grande impacto emocional, mas, com certeza reforça e molda um caráter mais forte e maleável nas adversidades.

 Após rodar esse filme e entender a dor da separação pela primeira vez, tendo que suportá-la com galhardia, pois fora ele próprio que assim escolhera seu futuro, o menino das Lavras ali permaneceu parado, no meio fio, defronte ao majestoso prédio do antigo Seminário. Por alguns minutos contemplou o real, de hoje, absorto em sua doce e emotiva recordação. Mas, foi subitamente despertado ao ver à sua frente uma mãe e filha que atravessavam a rua de mãos dadas. Essa cena disparou novamente o gatilho do subconsciente, reforçando aquela lembrança de seu próprio pranto agarrando forte a mão confortadora. O menino puxou fundo a respiração, suspirou e lacrimejante como a 55 anos atrás, sacou a máquina e fotografou mãe e filha, de mãos dadas, como se registrasse o resgate de sua própria história. Emoções a mil e um misto de alegria e lágrimas a contemplar aquela cena familiar carinhosa de um simples dar as mãos entre mãe e filha, como a recordar que ali, exatamente naquele local, um dia bem distante, também passara por isso. Ainda que não tivesse revisto mais nada, a viagem teria valido a pena por esse inesperado episódio. Que ótimo, faltava apenas adentrar o Colégio e o antigo Seminário. Seria possível? Nada havia sido marcado com a direção do educandário.


Brasília, setembro de 2013

Paulo das Lavras 



O Seminário de Itaúna e o Colégio Santana, ao fundo, em 1958 


 
... e o Boeing de prefixo PR- GTQ pousou                    
 suavemente no aeroporto de Confins, em BH             


 
a majestosa Catedral de Itaúna, local onde os seminaristas
 cantavam nas missas de domingo


Uma mãe e filha, de mãos dadas, no mesmo local onde o             
             menino, do mesmo jeito, deixou o pai e a irmã para adentrar o Colégio  e                                     
  e Seminário pelo grande portão lateral                    
que aparece ao fundo, à esquerda da foto.



   55 anos se passaram, mostram com as mãos, o menino ex-seminarista e o atual diretor do Colégio, Prof. Marcinho, à direita


 
 O mesmo prédio do Seminário de 1958, agora, em 2013, sem as  árvores da fachada principal.


Dormitório dos “menores”, em 1958. Camas “patente”, bem estreitas. Armários de 1,0 metro de altura e sobre o qual se colocavam as malas. Padre Adriano, o diretor, à esquerda, fiscalizando os meninos. O primeiro seminarista à direita, sentado chama-se Adão, o terceiro, Eustáquio e o último, próximo à janela é Adílio Mansur. Trajavam o uniforme de gala para a missa solene de domingo pela manhã, na Igreja Matriz de Itaúna. 
Minha cama ficava do lado direito, umas três antes da primeira da foto. O corredor era mínimo,conforme se vê pela posição do primeiro menino, de pé, à direita, passando pelo estreito corredor formado pelas camas. 
No fundo havia uma portinha, próxima à última janela da direita e que servia para as visitas noturnas, de surpresa, do supervisor. Uma “guerra dos travesseiros”, única daquele ano, atingiu quase toda a ala da direita e foi flagrada pelo Padre Luiz. Castigo certo no dia seguinte.. 


 
Cerimônia do lavabo durante a missa na capela do Seminário,  com o menino das Lavras ajoelhado à direita, usando
a paramentação completa, a batina preta, sobrepeliz branca, de rendas e
escapulário preto sobre os ombros. Era a “glória” para os seminaristas


 
Em frente à barra de exercícios. O primeiro à direita, agachado é o menino das Lavras. Semblante triste.
Adão é o 1º em pé à esquerda. O terceiro, em pé, é Eustáquio, o Taquinho. Eram os melhores amigos,
companheiros de todas as brincadeiras naquele Seminário, em 1958. Três deles não estavam muito
alegres, inclusive o menino que sentia muita saudade de casa.


 
         Éramos 13 seminaristas que integravam a turma de 30 alunos, do 2º ano do ginásio,
do Colégio Santana, anexo ao Seminário. O menino é o terceiro da esquerda para a direita, da primeira fileira
 Também nesta foto, não conseguiu sorrir ao comando do fotógrafo.



 Alma rejuvenescida com as reminiscências de 55 anos atrás, bem defronte ao mesmo prédio, majestoso, que abrigava sua  humilde cama “patente”, de molas, no dormitório dos menores, próximo à 9ª janela, da esquerda para a direita, do 2º  pavimento.
Dali, contemplava o alvorecer do dia através daquela janela, simples basculante desprovida de cortina e que deixava irradiar os raios dourados de sol, convidando-o à meditação. Na solidão daquelas madrugadas, pensando nos valores da vida e na importância da família distante, indagava a si mesmo por que estava ali, qual a razão? Por que tanta saudade, que apertava o coração a ponto de sempre rolarem lágrimas? Essa era a sua “oração” diária, rogando a Deus forças para vencer os obstáculos. Cresceu em espírito, amadureceu com elevado senso de responsabilidade e princípios éticos que o acompanharam para sempre.




(*) Nota Explicativa: Esta crônica é parte do livro: “Um Seminário na década de 1950”.  A obra compreende os capítulos de I a IX Os capítulos já publicadas neste blog, estão com os links indicados abaixo, na estrutura editorial:

Título geral: Um Seminário na década de 1950

I-   Uma viagem ao passado – já publicada: http://contosdaslavras.blogspot.com.br/2016/07/um-seminario-na-decada-de-1950-parte-i.html

 

II- O despertar da vocação no menino

III- a viagem para o distante Seminário - http://contosdaslavras.blogspot.com/2020/07/a-viagem-para-o-distante-seminario.html

IV- A vida no Seminário

4.1- a rotina diária de um internato

4.2- os seminaristas

4.3- os estudos do colégio 

4.4- A religiosidade               

4.5- o lazer e cultura

              4.6- Eventos marcantes

                      4.6.1 - Fundições e Tecelagem Itaunense 

                      4.6.2- Morro do Bonfim- a capela

                      4.6.3- Copa do Mundo de 1958

      4.6.4- A morte chega ao Seminário  - já publicada:   http://contosdaslavras.blogspot.com/2017/07/a-morte-chega-ao-seminario.html

V – A viagem de volta - O fim

VI- O reencontro – 55 anos depois

VII- O legado 

VIII- Anexos: Curiosidades de 1958

IX- Pos-Scriptum: 1- Brasília: O reencontro do seminarista foragido na Basílica Metropolitana - http://contosdaslavras.blogspot.com/2015/06/reencontro-do-seminarista-foragido.html   em 08/06/2015

                             2-  29 de junho de 1958 – Sessenta anos da primeira Copa de Futebol - http://contosdaslavras.blogspot.com/2018/06/    em 29/06/2018

                                3- O bullying do Zizi é boy e as aemadilhas dos idiomas  - https://contosdaslavras.blogspot.com/search?q=o+bullying+do+zizi+%C3%A9+boy


 

P.S – Se o leitor tiver interesse em conhecer um pouco mais sobre o algodão e a criação de carneiros para produção de lã e fios, a arte milenar da tecelagem artesanal que foi levada para Lavras,  pelos colonizadores portugueses que fundaram a cidade em 1720, acesse o link:

http://contosdaslavras.blogspot.com/2019/03/o-algodao-as-ovelhas-de-producao-de-la.html

  












domingo, 3 de julho de 2016

Os Livros e o Prazer da Leitura


Quando criança participava de uma brincadeira muito instrutiva que consistia em sentar-se em roda, juntamente com as irmãs, abrir o livro didático de Português (colegial) e ler as poesias clássicas. Aberto o livro, aleatoriamente, passava-se a leitura da poesia e os demais acompanhavam atentamente, cada qual com seu livro. Ao primeiro gaguejar, ou errar a leitura, era imediatamente interrompido pelo alerta geral. Nesse caso o candidato leitor era eliminado. Vencia quem conseguisse permanecer depois de várias rodadas e com a eliminação do penúltimo a gaguejar ou errar a leitura de alguma palavra, especialmente as paroxítonas e proparoxítonas. Assim, adquiri o gosto pela leitura e ainda hoje tenho memorizados os principais versos de poesias de Guilherme de Almeida, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Olavo Bilac e outros muito difundidos naqueles anos 50/60 do século passado.
           
 Infelizmente, a oferta de livros naquela época era limitadíssima e os recursos para adquiri-los, praticamente, não existiam. Até mesmo os livros didáticos eram muito limitados. Na área de matemática existiam apenas dois autores que publicavam livros colegiais. Em física, apenas o professor L.P.Mesquita Maia, da PUC-RJ. Era o único disponível no colégio e assim em quase todas as áreas. Predominava o sistema de reutilização do livro por toda a família, tal era a dificuldade para aquisições.     

Encantado com a química de hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos e da física da mecânica, dinâmica, ótica e eletricidade, tive que recorrer à pequena biblioteca do colégio e lá encontrei somente exemplares em inglês. Estudar física, em inglês, mesmo para os admiradores dessa ciência, convenhamos era um sacrifício para um jovem de 15 anos. Mas, um sacrifício que se revelou proveitoso, pois também adquiriu gosto pelo idioma e pode dominá-lo, algum tempo depois, a ponto de usá-lo em seu local de trabalho nos EUA.  Na faculdade o problema era o mesmo. Falta de livros editados em nosso país. Certa vez realizei, a pedido do professor e às duras penas, a tradução completa de um capítulo de livro de fitopatologia (doenças de plantas), de autoria de um pesquisador norte-americano. Hoje, nossas livrarias estão repletas de publicações, técnicas ou literárias, produzidas por autores nacionais além das traduções de obras estrangeiras. Que bom!

Quando entro numa boa livraria fico maravilhado com a quantidade e diversidade de obras disponíveis. Vou pegando um aqui, outro ali, lendo e degustando um pouco do conteúdo para avaliar se vale a pena comprar/ler ou não. Quase sempre seleciono mais do que posso levar, pois o tempo para leitura é bem aquém do desejável. Mas, Freud explica essa compulsão de adulto que nada mais é do que uma manifestação neurótica de regressão aos desejos da infância, quase sempre tolhidos pelos adultos. Minha esposa sempre pergunta: por que comprar tantos livros se você já tem mais de 100 (literalmente) não lidos ou cujas leituras não foram concluídas? E é verdade, em cada aeroporto que passo compro um novo livro, o companheiro de viagem ou de esperas intermináveis pelos voos atrasados.

Mas, a compra de um novo livro não é aleatória ou apressada. Ao contrário, sempre carrego no smartfone uma lista de títulos, porém, nunca os adquiro sem farejá-los, como dizia Rubem Alves: “Nenhum cachorro abocanha a comida. Primeiro, cheira. Faço o mesmo com livros”. Isto porque o prazer da leitura não é casual. É cultural, tem toda uma bagagem anterior que remonta à nossa infância, a curiosidade de aprender, aprender e aprender mais, sempre! Por isso, é preciso selecionar o livro. A leitura tem que ser prazerosa, tem que nos cativar. Se o livro nos cativa ele passa a ser nosso companheiro, aliado da nossa filosofia. Nesse caso podem e devem ser marcados, remarcados com marca-texto ou canetas vermelhas para destacar nossas anotações de concordância ou discordância do enunciado. Isto, de certa forma, contraria os ensinamentos que recebemos na escola, que não se deve escrever ou marcar um livro. Acrescento a esta norma: “Só se for com referência ao livro do alheio, pois, o meu é o companheiro, aliado, com marcas e destaques para as suas principais idéias”. Quando da sua releitura, passado algum tempo, o prazer é redobrado ao ver ali grifadas aquelas frases que um dia admiramos e que nos marcaram, às vezes com profundo significado para a alma.

Bem, mas esse é o prazer referente a uma nova descoberta por meio da leitura. É a novidade que aparece à nossa frente e nos apressamos em registrá-la em nossa mente para tirar proveito em situações futuras. É a lição que recebemos de nossos pais e da escola: leiam e aprendam muito para vencer na vida. É a cultura do saber que se impregnou em nós. Porém, há ainda outro prazer na leitura. É aquele que acontece com o passar dos anos e cresce cada vez mais quando nela encontramos a explicação para um fato ou causas de eventos acontecidos ou acontecidos no passado. Explico, como é bom, agora, por exemplo, ler sobre as imigrações de japoneses, italianos, poloneses, alemães, sírio-libaneses, judeus e norte-americanos dentre tantos estrangeiros que povoaram nosso imenso país. Sírio-libaneses dominavam o comércio em minha cidade natal. Ali, também os italianos trabalharam a lavoura e ainda se destacaram nas artes e indústria. Os norte-americanos que se instalaram inicialmente na região de Campinas (Americana) em 1869 e depois, em 1894, mudaram para a cidade de Lavras onde fundaram o Colégio Instituto Gammon, seguindo-se a Escola Superior de Agricultura de Lavras – ESAL, em 1908, que depois se transformou em Universidade Federal (UFLA). Da mesma forma sobre os imigrantes japoneses, vivenciei e observei a “garra” e o extremo amor pela terra que esses colonos do cinturão verde de São Paulo dedicam às suas plantações especializadas de hortifrutigranjeiros em pequenas propriedades. Em meu estágio acadêmico numa grande empresa de fertilizantes, pude conviver com aqueles abnegados imigrantes e recentemente ao se comemorar o centenário da imigração japonesa, a imprensa ressaltou a obstinação daquela laboriosa gente que tanto tem contribuído para o progresso da agricultura e o desenvolvimento de nosso país.

Assim, a leitura de qualquer matéria, seja um livro ou artigo na mídia sobre esses assuntos, torna-se duplamente prazerosa, pois além de se aprender mais, podemos confrontar situações vividas no passado e estabelecer o elo causal, compreendendo em maior profundidade os sonhos e as realizações daqueles imigrantes que há mais de 100 anos aqui estão e perfeitamente integrados à nossa sociedade.

Quer prazer maior do que se deparar com uma resenha de um livro em uma revista especializada e cujo autor foi seu colega de trabalho? Foi assim com “História das Agriculturas no Mundo – do Neolítico à Crise Contemporânea”, de Marcel Mazoyer, professor e pesquisador do Institut Agronomique Paris-Grignon e que foi colaborador no acordo de cooperação do MEC com o Ministério da Agricultura da França, cujo convênio de cooperação dirigimos por mais de 10 anos. Especialista em sistemas de cultivos agrícolas, o Prof. Mazoyer veio ao Brasil várias vezes e assessorou por muito tempo uma universidade do sul do Brasil na implantação de um curso de agronomia com ênfase na gestão do agronegócio. Na França, orientou muitos professores brasileiros em cursos de pós-graduação. Visitei seu laboratório de pesquisas em Grignon e prestou importante colaboração na reestruturação da formação agronômica em nosso país. Por isso, corri à editora e encomendei o livro recém lançado. Alguém duvida que essa leitura seja duplamente prazerosa?

É lógico que conhecendo e tendo vivenciado experiências relacionadas ao assunto que se lê o prazer da leitura e as reflexões que dela decorrem são infinitamente maiores. Sinceramente, não saberia dizer qual o maior prazer decorrente da leitura.  Seria ler algo sobre assunto de vivências passadas, ou que nunca soubera antes ou sequer imaginaria que existisse?  É por isso que afirmamos que além de cultivar o bom hábito adquirido em família e nos meios acadêmicos, com o passar dos anos aumenta-se o prazer e cresce o aprendizado. Isto porque a leitura nos permite compreender a mensagem, entende-la por meio da análise crítica e armazená-la em nossa mente, criando uma verdadeira biblioteca em nosso cérebro. Sempre que necessário fazemos a recuperação da informação, associando-a às necessidades e problemas do momento. Num estágio final desse processo leitura/assimilação/recuperação podemos então comunicar, transmitir aquilo que aprendemos e até produzir nossos próprios escritos.

O prazer da leitura é ilimitado. Há coisa melhor que olhar sua estante, ler os títulos na lombada, relembrar seu conteúdo e não resistir em pegá-lo novamente para uma releitura? E facilitada pelos grifos e marcações em amarelo luminosos do marca-texto? Esse é meu maior vício. De tanto “implicarem” com o amontoado de livros em meia dúzia de prateleiras em meu escritório doméstico, dei-me ao trabalho de conta-los, 326 livros, afora os de capa dura, brochuras luxuosas como os de plantas ornamentais que ficam sob a mesa de centro da sala de estar. Descartar algum? Nem pensar, foram lidos e relidos várias vezes, apenas uns vinte ainda estão aguardando a leitura. Todos eles contêm o saber gostoso, farejado antes, degustado com prazer. Aliás, Nietzsche falando sobre o filósofo Tales de Mileto, nos recorda que a palavra grega que designa o “sábio”, o saber, está etimologicamente ligada a “sapio”, eu saboreio, sapiens, o degustador, mais apurado.

 Sim, meu pequeno amontoado de livros foi degustado, digerido e armazenado na mente, pronto para ser rememorado, usado, sempre! Relê-los é tão prazeroso quanto receber novos exemplares embora o espaço não seja suficiente. Levá-los para a chácara, junta-los a outras centenas, embora o espaço seja amplo, não proporcionaria a mesma utilidade e prazer, à vista. Sérgio Buarque de Holanda foi bem original na arte de enganar a esposa que implicava com seus amontoados de livros. Tinha táticas e estratégias para chegar em casa com novos livros sem aborrecer a fiscal da ordem, da limpeza e da esmerada decoração: contava com a cumplicidade dos empregados que os passavam pela janela, pois a porta era sempre bem vigiada. Por aqui..., bem, por aqui muitos livros chegaram sob o paletó.

Segundo o cronista Gustavo Faleiros: falta de espaço será tua sina, ó nobre leitor!


Brasília, 2005/2016
                                      
                                                Paulo das Lavras