sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Quilombo do Mesquita e o doce de Marmelo artesanal



              Menino da roça das Lavras do Funil, depois engenheiro agrônomo e professor de agronomia e engenharia ambiental, nascido e criado em meio à natureza, não podia mesmo tolerar mais que cinco anos de “esgravatura” na capital federal sem que houvesse um refrigério para o corpo e a alma. Gravata de segunda a sexta feira e às vezes, também aos sábados e domingos em almoços e jantares de serviço. Era mesmo um sufoco, mesmo em ambientes aclimatados com ar condicionado no MEC ou no frio cortante de zero grau, de Michigan no norte dos E.U.A, na região dos Grandes Lagos, onde trabalhava certa parte do ano. Não demorou muito e o menino passou a procurar uma chácara para lazer. Colocar os pés no chão, sentir o cheiro da terra molhada pela chuva que nos alimenta e faz brotar o verde, era mesmo imprescindível, para quem nela fora criado e estudou-a a fundo. Porém a busca foi desanimadora e demorou anos. Áreas de cerrado inóspito sem água corrente e muito próximas às cidades. Mas, no primeiro dia útil de janeiro de 1981, visitei um novo empreendimento. Ao descer um altiplano em direção a uma bonita várzea, passei por três grandes fazendas com extensas áreas de criações de gado de leite e de bois de corte da raça nelore que, com suas pelagens brancas, se destacavam nas verdes pastagens de capim braquiária. Cruzei o ribeirão Santana, anunciado na placa rodoviária, seguindo a linha de energia elétrica e logo adiante uma escola rural. Logo na entrada da fazenda avistava-se ao longe, inacreditavelmente, uma cordilheira de pequenas serras, coisa rara no Planalto Central, como a recordar as montanhas das Minas Gerais. Gostei do cenário. Senti-me em casa, longe das planuras e com montanhas na linha do horizonte, ainda que pequenas. Ainda assim podiam servir ao desejo de escala-la para ver o que haveria do outro lado..., tal qual o menino das Lavras sonhava diante da imponente Serra da Bocaina que emoldura a sua cidade natal no distante sul de Minas. E não é que depois fui explora-la, de ponta a ponta, numa cavalgada coletiva? 

              A alegria foi maior quando adentrei a sede da antiga Fazenda Barreiros, que fora subdividida em chácaras. A centenária casa sede, com fogão a lenha, água corrente na pia da cozinha, aquecimento de água no fogão a lenha, com serpentinas e boiler originais da França, como pude identificar pelo nome do fabricante. Cheguei à porta da cozinha e nem acreditei no que vi, uma extensa plantação de marmelos, como nunca antes havia visto. Era mês de janeiro já quase próximo à colheita e os frutos reluziam seu amarelo marmorizado. Corri e apanhei um belo fruto e o degustei apreciando, num primeiro momento, o aroma que me transportou à infância no casarão da chácara na minha cidade natal. Era como se ali estivesse aos seis, ou oito anos, passando a mão naquele fruto lisinho, com algumas penugens facilmente removíveis. Poucos metros adiante estava o curral e a seu lado um canal de água para o gado, que se distribuía por todos os piquetes de pastos seguintes até atingir outra nascente e escoar várzea abaixo até o ribeirão, de onde, seis quilômetros acima, fora desviada sua água pelo canal construído por escravos. Tratei de logo escolher a minha chácara próxima à sede antiga e dali retirar a energia elétrica, aproveitar o abundante canal de água e ainda usufruir da proximidade da antiga casa de caseiro, onde morava o velho “Carioca”, originário do Quilombo do Mesquita e empregado da antiga fazenda então subdividida. Herdara uma chácara e tinha suas plantações de milho, arroz e feijão. Dele ganhei deliciosas mangas, apanhadas com um bambu, de frondosas e imensas mangueiras. Contar com vizinhos afeitos à lida da roça era tudo que eu queria..., nada de cidade grande. Pessoas simples, humildes, tais quais os das fazendas de meu pai nas Lavras do Funil. 

            Interessei-me pela plantação de marmelo da antiga fazenda. Pretendia comprar a sede, preservar o casarão de 200 anos, com serpentina francesa e recuperar a plantação de marmelo. Não foi possível, pois o empreendedor a reservara para seu próprio uso. Contou-me ele que os registros encontrados na fazenda indicavam que a produção de doce, a marmelada Santa Luzia, era toda exportada para a Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro. O transporte demandava até dois meses e era feito em jacás, no lombo de burros, até Uberlândia. Dali seguia de trem para o Rio de Janeiro. Algum tempo depois, já na década de 1940, a estrada de ferro da Rede Mineira de Viação- RMV chegou até Catalão, ligando-a a Angra dos Reis e encurtando mais de 200 km nas jornadas da tropa de burros cargueiros. Nunca imaginei que o doce ali produzido pudesse viajar tão longe, em demorada viagem. Deveria ser muito boa a qualidade do produto, pois na ocasião já existiam as plantações de marmelo em Delfim Moreira e Marmelópolis na Serra da Mantiqueira, no sul de Minas, bem mais próximo do Rio de Janeiro e com rodovias asfaltadas desde os anos de 1930, época do presidente Getúlio Vargas, assíduo frequentador das estâncias hidrominerais da região. 

            A sede da Fazenda Barreiros não durou mais que dois anos e tudo veio abaixo para atender à especulação imobiliária. Os dez hectares da sede foram retaliados e vendidos. No lugar da velha casa com portais e portas de madeira maciça foi erguida uma nova casa em estilo urbano. O pomar com marmeleiros, laranjas e outras fruteiras, deu lugar a um lago de pesque-pague. Desde então perdi contato com a história dos marmelos e as marmeladas de Santa Luzia, até que um dia, no final dos anos de 1990, encontrei num restaurante de estrada, entre Luziânia e Cristalina, a caixinha de Marmelada Santa Luzia. Presenteei amigos em Lavras com o estoque da deliciosa marmelada que ali mesmo saboreei. Fez sucesso! Entrei em contato com o produtor rural e marquei uma visita à Fazenda Pindaibal, a sete quilômetros de minha chácara, onde era produzido o doce artesanal embalado em caixinhas de madeira. Rever a plantação de marmelo despertou as reminiscências, não só pelas frutas como também por suas longas varas, vergadas sob o peso dos marmelos. Foram surpreendentes, também, as reações dos amigos nas redes sociais sobre as lembranças da vara de marmelo. Muitos pais faziam uso desse corretivo nas crianças arteiras. O menino foi um que experimentou o “santo remédio” de alguns vergões nas canelas nos idos da década de 1950. Outro mais antigo relembrou que as professoras dos anos de 1920/30 também faziam uso da vara de marmelo. Mas, de maneira geral, todos relembravam a vara sem nenhum trauma, pois os meninos eram mesmo mais que travessos, pois desfrutavam de plena liberdade de espaço, com enormes quintais e as ruas que sequer tinham veículos como hoje. Predominaram, no entanto, comentários mais que elogiosos ao doce de marmelo, sempre com a figura de familiares preparando-o nos grandes tachos ou mesmo na cozinha. Em Lavras, origem da maioria dos comentários, era comum haver pelo menos um pé de marmelo no quintal, numa clara demonstração de que tanto lá, como cá, nas cercanias de Brasília, os costumes dos portugueses e dos escravos das minerações de ouro deixaram marcas idênticas, como essa da marmelada.

Quilombo do Mesquita, tradição da marmelada artesanal   

O estado de Goiás foi explorado nos séculos XVII e XVIII pelos bandeirantes paulistas, tal qual aconteceu nas Minas Gerais. Vieram em busca do ouro e de pedras preciosas. Índios e negros foram seus escravos na extração desses minerais, principalmente o ouro. Formaram-se muitos povoados, hoje cidades, que ainda guardam os traços culturais da época colonial. Cristalina e Luziânia (fundada em 1746), próximas à Brasília, são exemplos bem característicos dessa colonização. Muitos escravos conseguiam fugir do jugo violento e do açoite dos feitores das minas de ouro e de plantações de mandioca, arroz, milho e feijão, culturas de subsistência da escravaria e dos familiares. Em fuga, formavam os “quilombos” em meio às matas, quase sempre às margens de córregos e pequenos rios da região. Ali permaneciam, longe dos senhores que também não se atreviam a ir busca-los. A mata era traiçoeira e emboscadas eram fatais. Assim nasceram os Quilombos do Mesquita e do Xavier, a 50 km de Brasília e menos de 20 de Luziânia, que até 1943 se chamava Santa Luzia. 

O arraial de Santa Luzia chegou a ter, em 1763, no auge da exploração do ouro, algo como 16.529 habitantes, dos quais 12.900 eram escravos (78%). Portanto, não é de se estranhar o surgimento de alguns quilombos na região. Contam-se histórias muito engraçadas sobre o arraial. Uma delas é a história do rego das cabaças. Cerca de 2.000 escravos escavaram um imenso canal de dois metros de largura por 2,8m de profundidade, saindo do ribeirão Saia Velha (Gama-DF).  Atravessava 42 km de serras, várzeas, matas e muitas pedras até chegar ao destino, a mina de ouro do Cruzeiro, na parte alta da cidade de Santa Luzia. Estava assim garantido o garimpo. O canal levou mais de dois anos para ser concluído. Iniciado em 11 de abril de 1768, foi motivo de muita discussão. O major José Pereira Lisboa dizia em tom de gozação que “a água do Saia Velha poderia vir às minas do Cruzeiro, não em rego ou canal, mas em cabaças”.  O historiador Gelmires Reis conta que na manhã do dia 11 de setembro de 1770, bem cedo, foi inaugurado o canal e..., “quando menos se esperava, foi aberto o dique que tinha sido feito nas Terras Altas, e a água jorrou barulhenta pela Rua do Rosário abaixo” e nelas muitas cabaças rolando e a negrada batendo com porretes, quebrando-as e cantando: “água trouxe cabaça, cabaça não trouxe a água”. Ofendido, o major Lisboa saltou da cama e foi para a rua, armado, mas antes que agredisse os negros foi interceptado pelo juiz José Rodrigues Costa, que teve a peruca arrancada pelo raivoso falastrão. Condenado, saiu da cadeia dois anos depois. Por isso o canal ficou conhecido com Rego das Cabaças.

Melhor ainda é a história do Quilombo do Mesquita, criado há mais de 200 anos e que foi certificado pelo Governo Federal em 07/06/2006. Hoje abriga cerca de 300 famílias negras que mantém a tradição da vida rural e lembranças do regime escravocrata dos séculos XVII e XVIII. As terras pertenciam ao capitão português Paulo Mesquita, que as abandonou por causa do declínio da mineração do ouro. Deixou-as para três escravas alforriadas. A fazenda, que acabou se tornando um quilombo, produzia alimentos para a subsistência das famílias dos escravos fugidos e os excedentes da produção, especialmente a farinha de mandioca, eram vendidos na cidade. Nesse quilombo a plantação de marmelo e a produção artesanal da marmelada têm tradição de 200 anos. Alguns moradores dizem que as próprias ex- escravas, herdeiras da fazenda, iniciaram o cultivo do marmelo, cujas primeiras mudas vieram de Portugal. Muitos de seus costumes são originários do Congo, país africano que mais forneceu escravos ao Brasil. Recentemente uma missão de músicos africanos, do Mali, visitou o Quilombo do Mesquita e identificou muitas semelhanças nos costumes africanos como o uso da farinha como alimento básico, a mandioca com carne, biscoito de polvilho assado e até o covo, que é um balaio afunilado nas extremidades para a pesca de peixes. Hoje, uma das preocupações da comunidade é o tombamento de algumas casas antigas como herança do povo do Congo. Essa referência me fez lembrar o negro Lázaro Simão, camarada (empregado) da fazenda de meu pai e exímio fazedor de balaios e cestos de bambu. Certamente era um negro de origem congolesa, pois adorava a festa anual de Congada, muito comum em Lavras.

Hoje o cultivo do marmelo está em extinção e poucos agricultores ainda o mantém. Além de pequenas plantações, apenas quatro fazendas ainda os produzem em larga escala na região de Luziânia. Mesmo nessas, a produção do doce de marmelo é artesanal. O doce de marmelo, conhecido por marmelada, tem origem portuguesa e é feito a partir da polpa dos frutos, cozida em açúcar em grandes tachos de cobre. Durante a festa foi produzido uma “tachada” de doce, com 10 kg de polpa e 15 kg de açúcar. Um dos produtores informou que a quantidade de açúcar pode variar um pouco. Sua receita é de 15 kg de polpa de marmelo para 20 kg de açúcar e 15 litros de água. Outro produtor, cuja marmelada é bastante procurada, usa 20 kg de polpa para 25 de açúcar e 20 litros de água. Leva-se mais ou menos uma hora de cozimento, sendo que primeiramente faz-se a calda durante vinte minutos, ou pouco mais, até engrossar e chegar-se ao ponto semelhante ao melado. Só então se despeja cuidadosamente a polpa sobre a calda em ebulição. Não se pode parar de mexer a massa e para isto usa-se uma colher de pau de longo cabo. Experimentei a arte de mexer a massa e pude sentir que não é nada confortável. O calor é demasiado, a fumaça da lenha crepitante incomoda e ainda há o vapor saído da massa escaldante deixando-nos banhados de suor. Isto sem falar dos espirros da massa quente que queima a pele. Há que se proteger bem. Mas, quem faz gosta do que faz. O Sr. Cesar Alves, que aparece numa das fotos ajudando-me a mexer a massa fumegante, disse que adora aquele ritual e tem prazer em servir o seu produto. Outro, Ricardo, da Fazenda Pindaibal, disse que está no ofício há 25 anos e gosta da arte. Perguntei por que tanto açúcar e um produtor da Marmelada Santa Luzia disse que, devido ao fato de não se usar conservantes e aditivos, o açúcar, além do sabor, tem também a função de conservar o doce por até seis meses. 

O capricho na produção artesanal da marmelada se estende até mesmo às embalagens. Curioso que, por um acordo celebrado na prefeitura da cidade, todas as marmeladas têm o mesmo nome: Marmelada Santa Luzia. São diferenciadas apenas pelo nome do produtor que vai logo em seguida, no rótulo. São embaladas em caixinhas de madeira de pinho que, segundo eles, conservam melhor o sabor da marmelada. Interessante notar que é o mesmo costume usado na zona rural de Lavras, onde também se faziam marmeladas e ainda hoje as famosas goiabadas lisa ou cascão. 

A Festa do Marmelo

            Neste ano de 2016 o Quilombo do Mesquita celebrou a sua 14ª Festa do Marmelo. Em 15 anos conseguiram, em regime de mutirão, erguer a Igreja de N. S da Abadia, a padroeira da comunidade. Neste ano a campanha é para aquisição dos bancos da enorme capela, capaz de abrigar quase mil fiéis. Foi muito interessante observar a organização do evento. No primeiro dia, sábado, houve a grande cavalgada com almoço oferecido numa fazenda do roteiro. Dia seguinte, o segundo domingo de janeiro, quando a colheita do marmelo está no auge, foi o ponto alto da festa. Iniciou logo cedo com a Corrida de Reis. Uma centena de corredores que chegavam exaustos da meia maratona. Nas estradas as patrulhas policiais paravam os motoristas e recomendavam cautela para com os corredores que compartilhavam a pista. Não pude deixar de notar uma figura exótica na hora da foto de um grupo de corredores que acabara de chegar..., o “Kalango Corredor Exótico Cabuloso”. Cinquenta e seis anos de idade, com seu 187º troféu em mãos. Figura realmente notável pelo seu estilo e principalmente pelo espírito competitivo nas corridas de rua. Afinal, já participou de quase duas centenas de corridas e daqui a apouco fará jus ao registro no Guinness Book. Mas antes do guinnesbook, posou para uma foto no facebook...

Após a chegada dos corredores seguiu-se a missa, tão esperada pelos devotos de N. S. da Abadia. Os cânticos do coral amoleceram o coração do menino arredio às liturgias religiosas. Tocou-me profundamente a singeleza do momento do ofertório. Os fiéis levavam até o altar as oferendas, produtos exclusivos da terra que eles cultivam com amor e dedicação. Bandeja de marmelos, cestos com hortaliças, um palmito inteiro recém-colhido, pratos de doces artesanais e caixinhas de marmelada. Até mesmo uma vassoura artesanal, lindamente confeccionada com folhas de coqueiro e cabo de guatambu, estava presente no ofertório. Que Deus continue abençoando essas mãos prendadas que cultivam a terra e dela tiram o sustento para toda a família..., assim orei silenciosamente, em ato contrito, invocando as bênçãos para toda aquela gente honrada que ali estava cuidando do alimento da alma. Em certo momento me ausentei e lá fora, nas escadarias da igreja, encontrei dois meninos com semblantes tristes. Não se conheciam. Aproximei-os, lembrando-me das missas que também eu assistia na zona rural de Lavras, nas Três Barras, Dr Jorge-Fábrica Velha, Cajuru do Cervo e Faria. Como eles, também eu passava, à época, boa parte alheio à cerimônia, brincando e correndo como fazem as crianças nessas ocasiões. Tinham 12 e 11 anos de idade, a mesma que numa missa rural o menino havia respondido ao Padre Silvestre que queria ser padre e ano seguinte foi para o Seminário de Itaúna. Não ficou mais que um ano no seminário, pois a tristeza pela ausência de casa tomou conta do menino e não mais voltou ao distante internato. Assim, aquela aparente tristeza dos dois garotos, na escadaria da igreja, remeteu-me ao distante passado. Perguntei a mim mesmo o que seria deles? O que o futuro reservaria a aqueles tristes meninos? Estudavam? Estariam acompanhados no evento? Iriam almoçar ali? Antes que as lágrimas me traíssem os convidei para o almoço no galpão ao lado e fizemos uma foto ali mesmo, nas escadarias da igreja. Mas a emoção com meninos de 11 anos não foi só esta. Os coroinhas, que ajudavam na celebração da missa, trajavam batinas vermelhas e sobrepelizes brancas. As mesmas que o menino das Lavras usava na Paróquia de Santana e nas capelas da periferia, ajudando nas missas celebradas pelos padres Miguel Moretti, Luiz Tings, Carlos Zirke, Raimundo Weilherman, Henrique Boeing e outros. Também valeu uma foto, com a surpresa de que um dos coroinhas era uma menina, o que nunca havia visto antes.  

Após a missa houve o leilão típico dos costumes de pequenas comunidades. É a maneira mais comum de se arrecadar recursos para as obras da igreja. Muitos chegavam trazendo as prendas, geralmente produtos artesanais confeccionados por eles mesmos além de comidas, doces e animais. Aliás, os animais foram os primeiros a serem leiloados. Uma novilha foi arrematada por mais de seiscentos reais e o mais interessante foi que a mesma não estava lá, não havia telões mostrando-a em vídeo e sequer uma foto. Fiquei a imaginar como poderiam oferecer lances sem vê-la, tal qual acontece nos grandes leilões? Confiaram apenas na descrição que o leiloeiro fez do animal e principalmente no nome do doador. Confiança total. Coisa de pequenas comunidades onde todos se conhecem, respeitam-se mutuamente e a palavra tem valor. Grande lição! Mas, antes do leilão, em grande espaço coberto, apresentou-se a Orquestra do Povo com sanfoneiro, violas, violões, cavaquinhos e atabaques, com variado repertório de música caipira. Ao mesmo tempo foi servido o almoço a preços módicos. Enquanto isto a movimentação era intensa em frente ao grande tacho de cobre sobre fogão a lenha. Muitos queriam ver a produção do doce de marmelo, a saborosa Marmelada Santa Luzia. Curioso, fui dos primeiros a ajudar a atear o fogo na lenha e tomar os primeiros vapores ao mexer a massa. Ao final a marmelada foi distribuída gratuitamente como sobremesa. O Sr. Cesar Alves, do alto de seus calejados 80 anos de labuta na roça e fazendo tachas e tachas de marmelada, sorriu satisfeito. Sua alegria é ver o povo saborear e elogiar a sua deliciosa Marmelada Santa Luzia, ao vivo, ali mesmo na linha de produção de seu fogão a lenha com reluzente tacho de cobre batido, fumegando e exalando o cheiro adocicado e meio acre do marmelo. 

São 200 anos de tradição! Participar da Festa do Marmelo, no Quilombo do Mesquita, foi sem dúvida uma prazerosa imersão nos costumes e nas raízes de nossa gente que muito deve à cultura negra. É como voltar ao passado de nossos avós, de ascendência portuguesa, que viveram como protagonistas dessa história, no sul de Minas e que também é comum em outras partes de nosso imenso país. Proust tinha razão quando disse que "os verdadeiros paraísos são os que perdemos" e o poeta Mário Quintana ensinou que "a gente continua morando na velha casa em que nasceu". Então, deve ter sido por isso que gostei, amei conviver por um dia com a simplicidade do campo e sua gente trabalhadeira que retira da terra o seu sustento. Vale a pena preservar as culturas afro-brasileira e portuguesa existentes no Quilombo do Mesquita. Reconhecido já está pelo governo federal. Que venha o seu tombamento.

Brasília, 15 de janeiro de 2016

Paulo das Lavras


Ricardo faz, há 25 anos, a marmelada Santa Luzia,
 na Fazenda Pindaibal




Quilombo do Mesquita a 3 km


Santuário de N.S. da Abadia, Quilombo do Mesquita


Programa da 14ª Festa do Marmelo


Corrida de Reis, Quilombo do Mesquita


“Kalango Corredor Exótico Cabuloso” e seu 187º troféu

Até que, com certo esforço, consegui imitar o gesto típico da tribo,
 mas..., raspar a cabeça, tatuar-me por inteiro não consigo e
 tampouco pregar peercings no nariz, face, orelhas e...
... na língua! Demais para o menino véi...



O ponto alto dos festejos do Quilombo, a santa missa,
 em ação de graças


 A igreja toda decorada com motivos da terra



Os celebrantes e coroinhas que acolitavam a missa


Produtos da terra como oferendas no altar


A entrega no ofertório, palmito e cesto de verduras


... mais produtos da terra dos quilombolas


...produtos artesanais do quilombo, vassoura de folhas de palmeiras



... marmelos e outras frutas cultivadas no quilombo completam o ofertório



a padroeira do Quilombo do Mesquita, N.S. da Abadia




Os coroinhas, Ronaldo e Taliene. O meninão, que um dia
também foi coroinha, nunca tinha visto uma menina-coroinha




...trazendo a prenda para o leilão, belíssimos marmelos,
 que  o produtor exibe com orgulho



Sr João Pereira e a prenda de sua produção, Marmelada Santa Luzia




outro produtor da Marmelada Santa Luzia, Sr Leopoldo, da Fazenda Pindaibal




Os festeiros, Sr João e Dona Helena, anunciando a Orquestra do Povo




hora de botar fogo no fogão, com o Sr Cesar Alves





 ... o doce já fumegando... e tomem fumaça, vapor e espirros de massa.
Produção ao vivo, que foi servida como sobremesa na festa




..apurando o ponto da marmelada, no grande tacho da Fazenda Pindaibal


 Bonita caixinha de madeira – produto da Fazenda Pindaibal- Quilombo do Mesquita


A marmelada da Fazenda Mesquita, de João Pereira




outra marmelada de Santa Luzia, de rótulo rosa, produzida pelo Sr Carlúcio



Dois meninos, de 11 e 12 anos, moradores do Quilombo. Semblantes tristes,
com o meninão que nessa idade também estava triste no internato do
Seminário, bem distante de casa. Compartilhar dos sonhos dessas
crianças humildes foi muito emocionante.