sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

O voo de urubu em Lavras e no Planalto Central

O urubu, voa. E voa bonito, muito bonito. Não adianta achar que é ave feia ou até mesmo agourenta, pois isso não vai diminuir a beleza de seu voo. Só quem voa de avião, helicóptero, ultraleve, paraquedas, asa delta e parapente, sabe apreciar a beleza e a técnica do voo do urubu. Técnica de voo? Sim, verdadeira engenharia aeronáutica os urubus nos ensinaram. Seus voos planados em alta velocidade e com pouca perda de altura, invejavam os humanos e suas máquinas de voar. Desde que esse mundo é mundo os urubus já vêm de fábrica com os winglets na ponta de suas asas. Ah..., que estabilidade nas planagens e glissagens (curvas descendentes, bem fechadas)... e pensar que os engenheiros aeronáuticos só vieram a descobrir e usar isto muito recentemente, não mais que 20 anos (o winglet – aba na ponta da asa, dobrada verticalmente, para cima, que diminui o arrasto, melhora a estabilidade, dá mais velocidade ao avião e proporciona economia de combustível). A EMBRAER, uma das maiores indústrias de aviões, foi uma das precursoras na descoberta e uso dos winglets, dos pequenos aos maiores aviões a jato, como o ERJ-170.

Mas, não é do urubu, “inventor” natural do winglet que quero falar. Quero falar dos urubus de Lavras. Algum tempo atrás escrevi uma crônica intitulada Meu Sonho de Ícaro e nela falei do sonho de criança, de voar tal qual o urubu. Mestres no voo de planeio e ataque vinham do alto da majestosa Serra da Bocaina e pousavam próximo ao curral da enorme chácara onde eu morava, na Rua Progresso, hoje Vila Cruzeiro do Sul. Maravilhas de voos, suaves, tranquilos, flutuando no céu azul, mas, de repente, ao avistar uma presa ou petisco no solo, despencavam em altíssimas velocidades, geralmente para a captura de alguns restos de carnes esquecidas no local do abate de animais domésticos para consumo, prática muito comum nas fazendas, chácaras e até mesmo em casas da cidade com grandes quintais.

Mas, também não são desses urubus que vamos falar hoje. Melhor mesmo foi o sucesso do urubu no Vitória Palace, o mais chique e charmoso hotel em estilo colonial da cidade de Lavras. No dia 18/03/2011, eu estava ali hospedado, com minha família e na hora do jantar vi um bem produzido cartaz anunciando o Voo do Urubu. Fiquei intrigado, mas, me aproximando verifiquei tratar-se do lançamento de um livro com aquele título. Esquisito, para se dizer o mínimo. Entretanto, como já me inspirara em seus voos planados, decidi procurar o salão onde acontecia o referido evento, pois seria surpreendente conhecer alguém que também “gostasse” de urubu, ou melhor, do seu belo voo. Surpresa! Era o Dr Paulo Rodarte, médico urologista e escritor lavrense, que estava lançando seu mais novo livro e com aquele mesmo título estampado no cartaz no hall do hotel. Beberiquei um champagne e fui prosear com toda sua família, gentilíssimos ao saber que eu era apenas um hóspede curioso, embora lavrense, mas vindo de longe. Descobri que a esposa dele, estilista, conhecera minha esposa 35 anos atrás e havia feito algumas roupas para ela, recém-chegada de Belo Horizonte e que ainda não conhecia ninguém em Lavras. Amizade que se consolidou, de imediato.

Adquirido o livro, devidamente autografado, num relance vi as mais de cem crônicas contando casos e causos passados em Lavras. Dei muitas gargalhadas com a leitura dinâmica de algumas delas, ali mesmo, na mesa de jantar enquanto a família, em outro salão do hotel, degustava as delícias do filé de tilápia a belle meunière, especialidade do restaurante do charmoso Vitória Palace. Aprendi, com as palavras rimadas, da poetisa Simone Almeida, que “O urubu é o Mestre do voo, divino réu./ Anjo de cor, gari do céu./ No imenso azul e branco véu./ Cumpre, urubu, seu papel”. E o Dr Paulo Rodarte completa: “Se eu fosse um urubu, não faria caso (do descaso humano) e avoaria sempre, fugindo do descaso de quem torce o nariz aos urubus. Ah! Se não fossem os urubus”... Perfeitas, as louvações ao gari de terno preto, acrescento eu!

Além de escritores e admiradores dessa ave, como este menino que almejava suas asas para voar da Serra da Bocaina até a varanda de sua casa ou pousar no alto da torre da igreja matriz de Santana, há ainda os fanáticos como aquele cambuiense que criou e ensinou um urubu a voar. Uma impressionante história em que ele próprio voa num paraglider ao lado de sua ave, a “loira”, aluna e acompanhante das delicias dos planeios por entre montanhas do sul de Minas. Não acredita? Confira o vídeo indicado abaixo e depois diga se é ou não o mais belo dos voos? O voo do urubu! E Lavras tem pelo menos dois Paulos que gostam do voo do urubu. Sobre o primeiro, o editor do já citado livro escreveu: 
“.... admirador confesso dos urubus, escreveu e amou tanto as pessoas, sobretudo os obreiros humílimos que com ele se cruzam, nas madrugadas frias ao descer a rua de Lavras. Ele, de um jeito extrovertido, controvertido e divertido, vê a vida sob um prisma de arco-íris. Com todas as cores. Mais do que as têm o arco-íris. O segredo de tanta criatividade e alegria? Benditas endorfinas. Seu remédio, sua sina. Voo do urubu é maravilhoso. Podem dizer que urubu é asqueroso. Feio, repelente. Voo do urubu voa. Como avoa o doutor Paulo Rodarte. Sem sair do chão. Sem asas. Com muita imaginação…”

Bem, quanto ao menino das Lavras, continuo com a fascinação dos voos planados daquela ave. Seja a dez mil metros de altura a bordo de grandes aviões de carreira, na rota Brasília/Rio, quando contemplo a serra da Bocaina e a cidade e a imaginação recorre ao voo planado do urubu, com vontade de saltar da aeronave e pousar lá embaixo. Ou ainda quando voo no ultraleve, ou mesmo da varanda de minha chácara, tento acompanhar um ou outro urubu que avisto pelas nuvens, tal qual aquele adestrador de Cambuí. Mas, nunca consegui acompanhar suas bruscas curvas descendentes em altíssimas velocidades, como em um verdadeiro looping da Esquadrilha da Fumaça. Afinal essas aves têm winglet nas pontas das asas e por isso têm maior agilidade, melhor desempenho em voo.  No silêncio do espaço, anônimo, ouço o silêncio reconfortante da alma em pura alegria de menino que sonhava voar. Pena que não tive a sorte do Celinho, de Cambuí-MG. Meus voos, de ultraleve sem winglets, não têm a companhia de uma “loira”, um urubu treinado para acompanhar os voos nas planuras do planalto central. Até porque aqui não temos montanhas. Mas, não importa, pois naquelas montanhas de Lavras também eu voo por aqui, sem sair do chão, apenas com as asas da imaginação batendo, com o coração apertado e o filme da majestosa Bocaina, rodando com o cenário então contemplado diariamente desde a infância e que acalentou meu Sonho de Ícaro. E agora, depois de mais de 60 anos daqueles devaneios pueris, posso dizer que desafiei o poema do príncipe dos poetas, Guilherme de Almeida:
“tudo muda, tudo passa
nesse mundo de ilusão;
Vai para o céu a fumaça,
“fica na terra o carvão”.

Como a fumaça, cantada em verso, também fui aos céus, graças ao invento de Santos Dumont e até voei mais alto que o urubu e certa vez de ponta cabeça, em manobra de “perda” num pequeno ultraleve de instrução, também despenquei em altíssima velocidade. Portanto, a “fumaça” do poema, que se espargiu nos céus, para mim não foi ilusão, materializou-se em voos pilotados. Mas, recordo e concordo com o restante do poema, ou melhor, seu início. E dele faço vida:
“Lembrança quanta lembrança
 dos tempos que já lá vão
 Minha vida de criança,
minhas bolhas de sabão...”

Vida, sim, pois sou eterna criança embalada em sonhos de Ícaro, fazendo, ainda hoje, voos planados na imensidão do azul do céu do planalto central, de onde posso ver das alturas, em pura realidade, o pássaro dourado, de asas abertas, no chão, ideado por Lucio Costa e plantado por Niemeyer, a belíssima Brasília com suas asas. Posso dizer e confirmar que as almas dos velhos e das crianças brincam no mesmo tempo. As crianças ainda sabem aquilo que os velhos esqueceram e têm de aprender de novo: que a vida é brinquedo que para nada serve, a não ser para a alegria! Assim disse outro poeta, Rubem Alves, que também viveu boa parte de sua vida contemplando a belíssima serra da Bocaina, em Lavras.

Velho? Criança...? Até nisso, mais uma vez, o príncipe dos poetas confirma, em sua última estrofe:
Só tu, coração, não mudas,
Porque és puro e porque és bom!

E vale repetir: Benditas endorfinas./ Meu remédio, minha sina./Voo do urubu é maravilhoso./ Podem dizer que urubu é asqueroso./ Feio, repelente. Voo do urubu voa. Como avoa no ultraleve o Menino das Lavras e também o doutor Paulo Rodarte. Este sem sair do chão. Sem asas, como dito pelo prefaciador do livro, de quem copiei este parágrafo, ligeiramente adaptado. Ambos viajamos, com muita imaginação, nas asas da ave do mais belo voo, seja do urubu, do falcão, da águia, ou mesmo da alma destravada, transbordando amor aos nossos leitores.


Brasília, 15 de dezembro de 2016

Paulo das Lavras




 
A fotógrafa, Catarina Júlia, flagrou o belo planeio de um urubu, em Lavras.
Asas arrebitadas nas extremidades e estabilidade no voo

 
A Embraer, indústria aeronáutica, brasileira, foi das pioneiras a “copiar”
 a lição das pontas de asas arrebitadas. São os chamados winglets, inexistentes até
a década de 1990. Na foto, da internet, um modelo EMB- ERJ-135


 
O menino, a bordo do G3- 737-800, de prefixo PR- GUD,
de Confins para Brasília, aterrisando, em 12/12/2015.
 Esse é um dos  maiores  winglet, com
 aproximadamente, 2,5m de atura 


O detalhe do “winglet” de uma águia em voo estabilizado 


Da varanda da casa da chácara, o menino contemplava
os rasantes dos voos dos urubus, que vinham
do alto da serra da Bocaina. Sonho de Ícaro, voar, voar



 
...para pousar no topo da torre da igreja matriz..
....sonho de menino


..realizado de outra forma, muitos anos depois, num ultraleve. Vetorando a proa para a
 lateral norte da linha de cumeada. Voar paralelo e nivelado com o cume
da bela Serra da Bocaina que emoldura a cidade de Lavras.
Mais emocionante que o sonho do menino de tenra idade... 


 
Sonho também do médico e escritor Paulo Rodarte, consolidado
 em livro de crônicas com sugestivo nome.
Autografado com peculiar dedicatória, de quem tem aguçado senso de observação... e o menino
o trouxe para casa com especial gratidão


 
..levou seu “Voo do Urubu” para o salão nobre do majestoso e imponente Vitória Palace Hotel
Foto: arquivos de Renato Libeck


 
Dr Paulo Rodarte, autografando seu livro
Foto: Jornal Lavras 24 Horas



 
Celinho, de Cambuí-MG, com seu urubu “Loira”. Voos de paraglider
acompanhados pela ave em verdadeiro show de acrobacias
foto: internet



A paixão do Menino das Lavras, "pilotando" ultraleve. Revoadas no céu azul 
do planalto central, ainda que sem montanhas e
  sem winglets no ultraleve, mas
a lembrança do voo planado do urubu é constante


Revoadas à noite nos mostram, da altura do voo de um pássaro, outro
belo e dourado pássaro de asas abertas,
repousando no chão..., a cidade de Brasília, que não é sonho, é realidade de
outro sonhador, maior que todos, JK...!




segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Ratoeira e tempo fechados na Esplanada - Ontem e hoje

        Participamos, ontem, 04/12/16, de uma belíssima manifestação cívica na Esplanada dos Ministérios: Contra a Corrupção! Pacífica, sem os baderneiros contratados à base de pouco dinheiro e sanduiches. Felizmente o aparato policial, com revistas individuais a todos os que adentravam o local e tropas de prontidão para garantir o direito de manifestação, foi suficiente para impedir vandalismos e agressões como aconteceu na semana passada com a destruição do térreo do meu local de trabalho por mais de 35 anos, o MEC. Mesmo sob ameaça meteorológica de tempestade, como comprovam as fotos que fiz, muitas famílias, jovens, crianças e idosos lá compareceram para levar seu apoio ao combate à corrupção generalizada no país.

            Interessante notar, logo à chegada, um enorme banner que cobria toda a lateral do carro de som. Uma ratoeira, prendendo o rabo de uma ratazana. E não é que na data de hoje a ratoeira desarmou, pela segunda vez, cassando o poder de um dos réus acusados de corrupção?

            As nuvens negras, de chuva, desabaram sobre nossas cabeças durante a manifestação. Muitos idosos aparecem nas fotos com capas de chuva, providencialmente vendidas pelos ambulantes, com lucro de 11 (onze) vezes o valor original. Nem assim deixamos de compra-las na hora do dilúvio, pois dizem que “pneumonia em idoso é fatal”.... Vai que.... Portanto foi melhor pagar o preço extorsivo e além disso o que adiantaria economizar, levar o dinheiro para a cova?...rsrs...

 Melhor sorte tiveram os policiais da tropa de choque da Polícia Legislativa Federal, que guarneciam as rampas de acesso ao Congresso. Receberam, cada um, uma capa igualzinha a que comprei.... Não me contive e durante aquela entrega de capas aos policiais, gritei para o comandante:

 “Pensei que os jovens, guapos e malhados rapazes da tropa fossem mais fortes que os idosos e não temessem a pneumonia.... Parabéns, comandante...”. Não houve, mesmo na tropa, quem não risse da piada oportunista.

Brincadeiras à parte, chamou-me a atenção o ato final dos manifestantes. Terminada a manifestação e mesmo sob chuva, fizeram um “arrastão” no gramado, por inteiro... Êpa, espera aí. Não se confunda, pois foi um arrastão de limpeza tal qual os japoneses fizeram e nos ensinaram, aqui no Estádio Nacional, por ocasião da Copa Mundial de Futebol. Também no local da manifestação cataram todo o lixo ali deixado e o dispuseram em sacos plásticos trazidos pelos organizadores. Nota 10 no quesito civilidade, do qual também participamos com prazer.

Foi muito bom e expressivo o ato cívico de ontem e hoje, ainda, mais gratificante com a notícia da destituição do poder de um réu da corrupção.

Vejam as fotos da manifestação cívica de ontem.


Brasília, 05 de dezembro de 2016


Paulo das Lavras 



 
A ratoeira no carro de som, ontem... E hoje, parece que se fechou mais
e cortou  o poder de um réu por corrupção.



 
Tempo já fechado, momentos antes do início da manifestação



 
começando a chuva...


 
e são muitos os que estão na mira, veja os cartazes



 
mas, muitos, muitos mesmo...., haja espaço para os
 partidos que não cabem no cartaz, segundo
 a autora, ao centro da foto


 
que vão parar no Moro


 
com morte política, sim!


 
é o que querem muitos jovens que estavam na manifestação


 
e nem, tampouco, se esqueceram do Pixuleco


 
manifestantes se aproximando das rampas de acesso ao Congresso Nacional
e a policia logo adiante...


 
a tropa de choque da Polícia Legislativa Federal se posicionando, com todo seu arsenal de bombas de efeito moral, gás lacrimogênio, spray de pimenta e
a temida Taser, arma de choque elétrico.
Mas, não houve confronto algum....


 
e a chuva caiu forte. Idosos encapados...rsrs... Xô, pneumonia...
 (mas a jovem também não se aventurou a se molhar...)


 
a faxina voluntária no gramado, mesmo sob chuva 


 
e veja, o gramado ficou impecável, nenhum lixo deixado para trás,
 só mesmo a chuva ficou por lá



 
a crença de dois amigos curitibanos 



 
e não é que até o Obama lá estava, distribuindo simpatia e cumprimentos?..rsrs 



voltando para a casa e o tempo ainda estava carrancudo, mas,
 nos ofereceu esse belo espetáculo: uma moldura de fundo branco,
em perfeita harmonia com o grande edifício,
ao lado da Esplanada, na Asa Norte.

















sábado, 3 de dezembro de 2016

Os Colombianos


A nação brasileira passa, nesses dias, por profundo pesar pelo trágico desaparecimento de um time, inteiro, de futebol, vitimado por desastre aéreo na Colômbia. Comoveu a todos nós a solidariedade e o carinho dos colombianos à equipe brasileira de futebol da Chapecoense, como a seus familiares e a todos os brasileiros. Foi notória a repercussão na imprensa e nas redes sociais a atitude de todos os colombianos. A equipe do Nacional de Medelín, teve destaque especial. Era o time que deveria disputar as finais do campeonato sulamericano, dois dias depois da chegada dos brasileiros, o que não aconteceu, devido ao desastre aéreo que matou 71 dos 77 passageiros e tripulantes a bordo, quase à cabeceira do aeroporto de Medelín. O time colombiano, campeão sulamericano por duas vezes, prestou belíssima homenagem aos mortos e a seu time, propondo às autoridades esportivas, a concessão do título de campeão à Chapecoense. Ofereceram, publicamente, numa solenidade com milhares de torcedores, vestidos de branco, o cobiçado título de campeão à equipe morta no desastre de dois dias antes. 

Um cronista, emocionado, perguntou se a catástrofe tivesse acontecido no Brasil, haveria algum time que se proporia a oferecer o título de campeão ao rival? Conseguiria reunir milhares de torcedores só para isto? Ou, então, se o time do Nacional de Medelín tivesse sofrido a mesma catástrofe aqui em nosso solo, algum dos nossos times teria a capacidade de colocar 40 mil torcedores no estádio e outros 40 mil do lado de fora para chorar por nossos irmãos sulamericanos? Abriria mão de disputar uma partida para concorrer ao título de campeão, para respeitar o luto alheio? Com essas comparações, conclui o cronista que a Colômbia nos deu uma lição de solidariedade, amor e que as vidas estão sempre acima das disputas esportivas. Tomara que a lição sirva de exemplo e possamos, no mínimo, acabar com a violência nos estádios. 

Além disso, foi surpreendente a rapidez e eficiência dos socorristas colombianos, com hospitais limpos e equipados. A solidariedade do povo, além das manifestações mencionadas, se estendeu, ou melhor começou, até mesmo na hora do resgate em plena madrugada chuvosa. As emissoras de rádio e TV pediram apoio a quem tivesse carros com tração nas quatro rodas, pois o local era de dificílimo acesso. Uma hora depois tiveram que dar uma ordem severa: “Parem de vir para o local do acidente, pois já há engarrafamento na área”. Verdadeira e admirável lição de solidariedade que os colombianos nos ensinaram. Adversários não são inimigos! 

E eles conhecem a dor, bem de perto, enfrentando uma guerra interna que já dura 50 anos. E isso poucos de nós leva em conta. Muitos, só nos lembramos da fama dos narcotraficantes que denigrem a imagem do país que, ao contrário, sempre os combateu na medida do possível. Outros, como um repórter de rádio e TV, criado na região cafeeira do sul de Minas, carregou a vida inteira uma ojeriza, birra mesmo, disse ele, da Colômbia que concorria em melhores condições que o Brasil no comércio internacional do café. Hoje, o repórter confessou: “rendo-me, penitencio-me por essa atávica birra, diante da grandeza da alma que eles, os colombianos, nos mostraram nesse episódio da catástrofe com o time de futebol brasileiro”. 

Muitos dirão que esse reconhecimento dos brasileiros aos colombianos é devido apenas ao estado geral de comoção pela tragédia ocorrida e que estamos todos solidários com as famílias das vítimas. Sim, estamos mesmo abatidos e solidários, mas, posso afirmar que eu mesmo me enquadro no figurino do brasileiro que tinha aquele país em má fama, até mesmo pelas razões do repórter esportivo de uma grande cadeia de rádio e TV...., a disputa pelos mercados do café. Também eu não nutria nenhuma simpatia por aquele país, pois a vida inteira vivi ouvindo a mesma história por parte de parentes cafeicultores do sul de Minas. Não nutria simpatia alguma..., até que..., na década de 1980, visitei a Colômbia várias vezes. Numa delas, especialmente, ocorrida em novembro de 1987, e lá se vão quase trinta nos, numa missão oficial em Santa Marta, na costa caribenha, pude sentir com maior intensidade a hospitalidade dos colombianos. Joguei fora todas aquelas “pedras” que eu carregava para atirar ou me defender por conta da atávica falta de simpatia para com aquele povo. Ali mesmo no aeroporto internacional de Bogotá, depois de um voo direto do Rio de Janeiro, num Boeing 767-ER da Varig, de prefixo PP-VNP, com seis horas de duração, esperava-nos a delegação de universidades colombianas para imediata conexão em outro Boeing, um 727-200 da Avianca, que ainda era de bandeira colombiana, de prefixo HK-1272, para mais uma hora de voo até a cidade de Santa Marta, situada na costa caribenha. Clima de festa entre os colombianos na calorosa recepção à pequena delegação brasileira que eu chefiava. Uma semana em Santa Marta, a mais antiga cidade da Colômbia, num congresso científico sobre ensino de ciências agrárias na América Latina e Estados Unidos, pudemos conviver com a hospitalidade dos colombianos, suas famílias e admiração que nutrem pelo Brasil e o grande interesse por intercâmbios com nossas universidades e centros de pesquisas. 

Terminados os trabalhos desfrutamos das facilidades e conforto de um resort naquele balneário, com restaurantes de farta e variada mesa, incluindo uma enorme tenda entre coqueiros repleta de frutas tropicais in natura. Delicia de encher os olhos e ainda com variados coquetéis típicos, como a marguerita, o rum com água de coco e a piña colada. Tudo ali, bem em frente às mais azuis águas oceânicas que já vi em todo o mundo. Em seguida partimos para a histórica cidade de Cartagena de las Indias, cidade histórica onde viveu Gabriel Garcia Marques. Ali escreveu seu mais famoso romance, “O Amor nos Tempos do Cólera”. Dali retornamos a Barranquilla e de lá embarcamos num B-727 da Avianca, de matrícula norte-americana, N153FN, com destino a Bogotá, seguindo em conexão num 767-ER, da Varig (PP-VNR) para o Rio de Janeiro e escala em Manaus. Tempo de voo bastante para se deleitar com a leitura do belo romance de Gabo, como era chamado o famoso escritor caribenho e relembrar a hospitalidade e carinho daquela gente. 

Que a lição dos colombianos, nesse triste episódio, produza efeitos. E parece que já começaram, pois, muitos times brasileiros já se dispuseram a oferecer empréstimos gratuitos de jogadores para que a Chapecoense possa se reabilitar e jogar nos próximos campeonatos.
Bela lição do povo colombiano, nossos irmãos latino-americanos, gente hospitaleira, amorosa que sempre preza em nos receber bem em qualquer circunstância. A atitude desse povo, demonstrando as mais profundas e sinceras manifestações de carinho e solidariedade, nos cativou, sensibilizou a todos nós. E aquela velha frase cunhada na catástrofe de um jornal francês e aqui adaptada pelos brasileiros merece mesmo ser lembrada:

 “Somos todos Colombianos”.

Brasília, 03 de dezembro de 2016


Paulo das Lavras  



 
Chegando à Cartagena, 1987, cidade de muitas igrejas e conventos 


 
O mais famoso livro


Cartagena - Vista da cidade de 500 anos



 
Santa Marta, balneário caribenho de aguas azuis



 
Hotel resort, com amplo restaurante e salão de festas à beira das piscinas, com mar azul ao fundo


 
Bogotá, com a montanha emoldurando a cidade a nos lembrar a cidade de Belo Horizonte.
O teleférico naquela montanha nos oferece uma bela vista da capital colombiana.



 
Bogotá, vista do teleférico, muito parecida com a capital mineira



 
Gutierrez/México, à esquerda e Mauricio Medina, à direita da foto. Este, amigo, diretor do Instituto Colombiano de Fomento à Educação Superior - ICFES/Bogotá
1982, em México


 
Em uma rua no centro de Bogotá. Gente atenciosa – 1981



O time da Chapecoense e o Avro RJ 85, acidentado em Medelín na madrugada de 29/11/2016  
Foto- Internet